fiquei mais tranquilo quando soube que o cpf era mais importante que o rg no dia da vacinação. a serenidade durou até a hora h do dia d, quando descobri que perdi o cic e também a reservista, provavelmente durante a última mudança.
agora além do combo de comorbidades também teria que providenciar uma série de documentos não solicitados pra me credenciar ao tão sonhado cargo de jacaré do mês.
saí de casa nessa quinta com uma recheada declaração médica, uma pastinha com os tais documentos e uma lista de endereços onde poderia me picar, segundo a prefeitura do município de são paulo, hoje comandada por um religioso com histórico de bater em mulher.
além de dar com os burros n’água nos dois primeiros endereços, me incomodou um tanto ninguém ter informação eficiente pra dar. é o tipo de situação onde ninguém tem culpa de nada, então saí da faculdade oswaldo cruz – onde tava rolando a oportunidade de tomar uma antigripal que nesse dia em especial não atendia minhas necessidades – e me encaminhei ao subsolo da garagem de um supermercado perto da marquês de são vicente. tentativa e erro.
por trás de uma portinha, a simpática enfermeira recebeu com a maior boa vontade do mundo um rg mais detonado que a reputação do josé mayer – pensei que nunca mais iria usar – e abriu sorriso ao ler a declaração médica com a penca de doenças que me condicionava a tomar a primeira dose.
me informou que a oferta do dia era astrazênica e perguntou se essa situação tava de boa pra mim. na hora imaginei a quantidade de mala sommellier de vacina que ela deve aturar todo dia e respondi apenas com tímido sorriso concordante.
afinal, a essa altura do campeonato, que tipo de filho da puta questiona uma profissional da saúde sobre vacina?!
por que não tinha a danada nos dois primeiros postos autorizados? muita demanda pra pouca oferta, oras! e a perspectiva de piora de quadro infelizmente é bem real.
que cada pessoa vacinada seja símbolo de vitória em cima desse governo que convenhamos que tem sido no mínimo um tanto desastrado na condução dessa pandemia que nos abate em proporções bíblicas. que as centenas de milhares de mortes não signifiquem vidas perdidas, mas sim retratos de luta.
por aqui estou com febre há 3 madrugadas, mas isso é fichinha pra um portador de esclerose múltipla. a chance de virar jacaré é zero, pra mim e pra você.
devido ao cenário dantesco, se tivesse algum tipo de fé diria que o timing é bom pra de alguma maneira usa-la agora. como não tenho, sigo me cuidando pra quem sabe assim cuidar do seu próximo trago num futuro próximo. independente do que se acredita ou não, nunca foi tão necessário usar álcool gel pra caralho, máscaras e manter o distanciamento necessário.
se cuida também.
Que bom que conseguiu se vacinar Jota Bê. Mais uma batalha vencida em tempos tão difíceis. Não vejo a hora que chegue a minha vez, que, infelizmente, ainda vai demorar muito… Abraço.
Enquanto eu aguardava a minha vez para a realização da triagem, começava a deparar-me, involuntariamente, com o significado histórico e político daquele momento. Cheguei perto de chorar. Senti-me sozinho. Foi como se uma pequena parcela peso do sofrimento pandêmico, naquele momento, tivesse desabado sobre mim. Muitas dores, as cores do luto e o sofrer de indivíduos e famílias. Pessoas sem a mesma oportunidade por pura e exclusiva ação política ação do homem sem qualidades.
Sai da sala de vacinação pensativo. Um breve alívio, brevíssimo, e um enlutamento profundo. Enquanto caminhava a passos lentos, ouvia pequenas manifestações de regozijo vindo da sala que eu acabara de deixar…
Alguem vibrava. Uma vitória contra a estratégia de morte do governo federal. Pequena vitória. Estranha vitória.
Penso agora nas palavras de Walter Benjamjn…e me pergunto: mas até quando?!
“O dom de despertar no passado as centelhas da esperança é privilégio exclusivo do historiador convencido de que também os mortos não estarão em segurança se o inimigo
vencer. E esse inimigo não tem cessado de vencer.”