semana passada conheci uma jovem admirável. vinda de uma classe menos favorecida, se formou com maestria em teologia e direito. pratica a advocacia há alguns anos e segue estudando ciências da religião, tema esse que tenho me reaproximado após longo hiato
poderia descrever mais predicados sobre o sujeito em questão, mas esse texto tem que ser interessante para nós dois. pra mim é uma honra que ainda me leia e não quero que sinta tédio nesse encontro semanal. aliás, depois que a caixa de e-mail daqui pifou – não tenho ideia de como se arruma isso – escrevo de um buraco negro de onde não tenho ideia do real feedback de quem me acompanha. sei apenas que somos quase 5000 pessoas e nada mais. mas espero de coração que algum conforto semanal eu leve para uns e outros
voltando à heroína que protagoniza a história de nossa semana. após falarmos bastante sobre amenidades, quando a conversa é comigo torna-se inevitável que pelo menos por um instante o tema gire em torno de gastronomia etílica
isso porque comida e bebida é minha vida desde o tempo em que ia pra feira-livre no colo da minha mãe. se não fosse por esse ramo pelo qual atuo há décadas provável que escrevesse essa direto de um cárcere qualquer
as referências da moça são típicas de uma paulistana interessada no assunto, com acertos e erros. mas algo em especial me chamou a atenção, até porque foi citado alguns lugares bons no meio do balaio
certa relação afetiva com o outback
esse é o tipo de citação que tira o meu chão, o que é bom. sempre gostei de conversar com quem pensa diferente mesmo, vejo esse tipo de troca como oportunidade de crescimento
de maneira que esse tipo de colocação me desperta mais interesse que a pasta servida no mais novo contemporâneo da cidade
primeiro porque entendo a necessidade da existência da comida ruim. acho que não tem rango bom pra todo mundo, questão de sustentabilidade. além do mais, a maior parte da população mundial não se importa muito com o assunto e não tem o menor problema nisso. até porque o planeta seria chato pra um diabo se ocupado por maioria de sabichões
mas principalmente porque na real mesmo nunca foi sobre comida, sempre foi sobre gente
ela me disse que, devido a origem humilde, ter condições pra ir ao outback era um luxo, sinônimo de pequena vitória social na época de estudante, daí a relação afetiva
eu, que também sou de origem pobre, tive formação oposta. por vir de uma família de feirantes, minha casa sempre teve fartura de aromas e sabores oferecidos por distintos ingredientes e um talento inigualável da minha mãe, grande cozinheira. meu pai se arriscava com sucesso em algumas aventuras. por exemplo, preparar hambúrguer e fritar frango era nossa diversão de fim de semana, o que fez com que nunca me interessasse por mc donalds, kfc e outras drogas de natureza pesada. sou contra a indústria alimentícia desde muito antes de ser modinha
eu, um privilegiado lazarento
tão distantes e tão próximos, eu e a comedora de cebola empanada com pimenta do reino. inteligente que é, notando algum constrangimento denunciado pela minha face vermelha, me devolveu a pergunta. o que seria uma vitória social à mesa pra mim, dada a origem parecida – mas nem tanto – de ambos
pensei bastante antes de responder e com o temor de soar pedante, pensei em três prováveis programas dominicais – o dia de descanso do severo deus do velho testamento, boa literatura pra quem tem estômago forte – que agora compartilho contigo
- st john
em londres. porque já que estamos sendo religiosos hoje, não conheço nenhum lugar no mundo que se aproxime mais do sagrado. paredes brancas, nenhum quadro, zero instagramável e um rango único que inclusive formou escola na inglaterra, com direito a ex-chefs do restaurante abrindo seus próprios lugares e também outros se inspirando abrindo pequenos templos bem aplicadinhos. torrada com tutano, salada de tripa, rim, tudo no st john é sacropança e eu sou seu devoto. amém?
- cepa
numa linda casa térrea com pisos de cacos no tatuapé, lucas e gabrielli fazem chover servindo comidas e bebidas sem defeitos. é tudo tão bom que ideal é ir em três ou quatro pessoas – logo eu, que adoro tanto sair sozinho – pra fazer o cardápio inteiro. lá me sinto como figurante de a comilança, de marco ferreri. se o st john é o sagrado, o cepa é o profano. putaria instituída, sodoma e gomorra com dionísio e nina horta à mesa. pode guardar o truque da água pra outra hora, jc. porque aqui nosso vinho é bom e bem acompanhado. uma vez lá, a meta sempre é comer e beber tudo antes que o diabo saiba que estamos vivos
- lar doce bar
já disse algumas vezes que fui criado comendo bem. desde então segui errante estrada e sinto que se aproxima a hora de me recolher. e, assim como nos primórdios, nada me conforta mais que estar em casa sozinho ou com meus poucos eleitos. aqui escolho luz, som, comida, bebida e companhia. parafraseando o mestre maior zé rodrix, meus amigos meus discos meus livros e nada mais. torre de babel pós-moderna, madalena safadinha, putaria generalizada
claro que essas regras podem mudar do dia pra noite porque a vida é menos estática do que a vã filosofia de kurt vonnegut presume. quando se menos espera ela pode te atropelar como um 608d desenfreado na raposo tavares, já que a rodovia do amor pode trazer também imagens de dor e sofrimento
nunca foi zeus, sempre foi mórre
então, fica assim, ó. a dica da semana é aproveitar enquanto se ainda vive, na medida do impossível. cuide dos seus e aceite com amor o que o próximo pode te oferecer
porque ninguém merece ter que se adaptar à vida de seu par. vivamos e aprendamos com nossas diferenças
beijo e até a semana,
j.