os anos 90 foram bem generosos pra quem gosta de rock. durante a semana shows internacionais no olympia – pra onde o lapeano que vos escreve ia e voltava caminhando – e fim de semana o rolê era no aeroanta, sempre confirmando antes que NÃO teria show do capital inicial na noite. na saída ainda rolava um dogão que era carinhosamente batizado como chernobyl, dado o vazamento pra todos os lados. o chernóba foi o pai dos dogões da usp que depois deram lugar aos sandubas boêmios do villa lobos que por sua vez já estavam no meio do caminho até a cidade de oz, onde se come ainda hoje esse tipo de iguaria em plena luz do dia, com a maior naturalidade do mundo. rango de jovens e também da classe trabalhadora que por tantas vezes se sustenta durante o dia inteiro com o tijolão na pança
mas, voltando aos shows noventistas. quem gosta de classic rock como eu viu quase tudo naquele palco, de black sabbath com dio a david bowie. só do yes vi absurdos NOVE shows. como bônus ainda teve históricos shows de música brasileira. raul seixas com marcelo nova? eu estava lá. toquinho com paulinho da viola? das coisas mais lindas que já vi na vida. inclusive nesse último reclamei com toquinho que a cerveja estava quente – como meu pai vendia frango pro dono da casa de espetáculos eu tinha all access ao camarim. coisa de privilegiado rabudo de merda que sempre fui – no que o músico em vez de me mandar à merda deu uma bronca no paulinho falando algo do tipo eu não avisei que tinha que exigir cerveja gelada antes do show?!. acha que tive vergonha? que nada! jovens abusados desconhecem a noção do limite. éramos bem felizes e sabíamos disso
além de ligeiramente perigosos, claro. e super bêbados de álcool de procedência duvidosa. mas tinha show – como o do peter gabriel, em 93 – que me deixava sóbrio na hora, tamanha a intensidade do troço
uma das semanas mais especiais da vida foi aquela em que rolou carlos santana no domingo e jethro tull na quarta, algo assim. o show do guitarrista mexicano durou mais de três horas hipnotizantes e foi até hoje o que mais me aproximou do sagrado num concerto pop e isso é coisa que não se esquece e acaba colaborando com a formação de caráter
muito tempo se passou e atualmente me satisfaço com espasmos da época na qual era bem vivo. qualquer hora dessas, se sentir que tem intimidade comigo, peça pra eu contar a noite fria de quarta-feira que o miranda me convenceu a ir no aeroanta pra ver os meninos recém-chegados do recife – chico science e nação zumbi + mundo livre s/a – e quem fez o papel de traficante da noite
eu, que já tive lá alguma relevância gastrocômica, em 2023 tenho dedicado meus dias a usufruir o inalienável direito da insignificância. meus ídolos tem morrido de velhice, não tenho um bar pra chamar de meu e mal namoro mais, embora ainda me humilhe em uma ou outra tentativa frustrada de não decepcionar os outros
como, por exemplo, no meu último encontro, quando minha parceira de mesa de jantar – que tinha acabado de admitir que é fã de zezé de camargo & luciano – me perguntou qual som ambiente tocaria em um suposto bar de minha propriedade
após divagar um pouco sobre meus quinze anos de discotecagem, disse que hoje queria um bar onde o volume do som não interferisse no tom de voz usado nas conversas, mas que a freguesia ao mesmo tempo batesse o pé com a batida da música naturalmente, sem nem perceber o ato falho. repertório? algo em torno de otis redding, rita lee, zé rodrix e santana
AAAH! O LUAN SANTANA EU ADORO!
assim me disse a moça bem no momento em que pretendia contar que carlos santana já foi padrinho de casamento do luiz carlini numa vida passada, mas preferi trocar de assunto
devo ser chato pra caralho
me lembrei que quem abriu o portal desse inferno foi o presidente fernando collor de mello ao abrir o palácio do governo pra receber esses tipos de artistas, mas guardei o pensamento para mim. e assim voltamos ao inevitável estado de solidão
se alguém perguntar por mim diz que fui por aí
beijo e até a semana,
j.