Se as coisas tivessem dado mais certo na minha vida financeira hoje interagiria bem menos com o mundo externo, tanto nas redes antissociais quanto pessoalmente. Adoraria sair apenas pra comprar provisões e passear com meu doguinho. Em casa, tal como Salinger, passaria o tempo lendo e escrevendo para mim mesmo.
Acontece que a vida atropela todo e qualquer tipo de pretensão. Por isso sempre digo que o segredo de alguma coisa parecida com felicidade é a total falta de expectativa.
Fato é que eu, tiozão de 50 anos com todos os problemas que a meia-idade oferece + adicional de esclerose múltipla, também venho perdendo de vez a manha dessa tal de sociabilidade, que nunca foi meu forte mesmo.
Nesse último domingo, por exemplo.
Fui almoçar em um dos meus restaurantes preferidos, onde fui recebido pela dona e por toda equipe como um nobre com boa bebida, ótima comida e um carinho raro.
Após algumas horas, a ideia de visitar um restaurante na Vila Madalena, que comemorava um ano de vida com vários colegas cozinhando. Entre eles, um amigo querido.
Desafio aceito e uma vez na casa pedi alguns itens do menu comemorativo, apesar de ter acabado de almoçar. Não seria de bom tom não comer. O rango tava ok, eventos assim não são parâmetro pra muita coisa, mas provei uma boa entrada da casa – milho tostado com manteiga de curry e limão kaffir – que me provocou curiosidade, qualquer hora volto ao lugar pra jantar direito.
Mas o que me chamou mesmo a atenção é que fora o meu amigo, eu nunca tinha ouvido falar em nenhum dos outros sete ou oito chefs envolvidos. Uma gente efusiva que parecia gostar bastante do que estava fazendo. Pensei se era possível que conhecesse esse veterano que vos escreve.
A hora da verdade veio quando meu amigo me apresentou ao chef responsável pelo furdunço. Travamos o seguinte diálogo:
– JB! Que bom te receber aqui!
– Ah, muito obrigado.
– Já escolheu o que vai beber, João Bosco?
– Hããnnn… Tô bebendo uma dose de Fernet, pois acabei de almoçar, obrigado.
– Mas prova algum rangão, João!
– Provarei, sim. Já pedi, inclusive.
Enquanto ele se afastava chegou um conhecido, dono de boa taqueria em Pinheiros. Como sei que dentro em breve ele abrirá uma Cantina Mexicana na Vila Buarque, puxei papo.
– E aí? Abriu?
– Abril!
– Pô! Abriu e nem me avisou!
– ABRIL!
– Bom, parabéns! Não precisa gritar. Toda inauguração é difícil mesmo…
– ABRIL!
– Ok, não precisa repetir 100 vezes. Já entendi que abriu. Quando der, passo lá.
– …
E assim afastei um dos poucos rostos mais amistosos que talvez saiba que infelizmente jamais compus nada com Aldir Blanc.
Cheguei a me enfeitiçar por uma moça linda, magnetizadora, mas cuidei para que o momento não durasse mais que um breve instante. Além de estar acompanhada, é o tipo de terráquea que jamais teria algum tipo de interesse em mim.
Na hora de ir embora, ainda ouvi um grito de despedida:
– João! Hey, Jão! Vê se aparece!
Talvez numa tarde mais tranquila… é que nunca fui muito bom de timing…
E você? Me fala que tem envelhecido melhor que eu?