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machine head

aprendi a discotecar ainda na adolescência por pura timidez. já que me faltava coragem pra tirar a menina pra dançar no bailinho da vila, ao menos poderia proporcionar alguma espécie de diversão não só pra ela mas sim pra toda turma

acontece que gostei tanto da função que nela trampei por mais de uma década. como me especializei em classic rock, natural que não recebesse muitos convites, mas dava meus pulo. faltava casas mainstream, sobrava festas com público selecionado

quer dizer, nem sempre, às vezes a situação fugia um pouco do controle

como naquele fim de semana no começo desse milênio em vargem grande paulista, sítio de um pedro bó qualquer

acertado estilo musical a ser executado, horas de trampo e cachê, tinha tudo pra ser tranquilão

nessa época tinha um sócio que levava e montava o equipamento de som pra mim, além de fazer toda operação desmanche no dia seguinte, demonstrando assim uma paciência fora do comum com esse que vos escreve

o contrato – validado pelo sagrado fio de bigode – previa discotecagem das 22h às 4h e às 21h eu já estava pronto, com tudo testado etc

21h30 liguei o som em altura baixa e fui atrás de um litro d’água pra me acompanhar na função. enquanto troco ideia com a geladeira ouço o volume da música ambiente aumentar de maneira pouco elegante

volto pra cabine a ponto de flagrar o próprio contratante mexendo nas minhas coisas
NUM TEM ALGO MAIS ANIMADO? – perguntou ele

respondi que sim, mas que a festa nem havia começado e que não era legal ele mexer nas minhas coisas

o mano fechou a cara e saiu resmungando algo do tipo você ainda vai me pagar por isso

começa o furdunço meia boca pra cacete, com poucos convidados presentes no gramado enorme planejado pra ser pista de dança

22h e poco, quando começa a chover, o sujeito vem em minha direção e pede pra eu botar no som os mais variados e condenáveis estilos possíveis, claramente tentando terceirizar sua incompetência

acontece de que fracassos já bastam os meus

explico que não tinha trazido tal material e que também não fui contratado pra isso, que inclusive na próxima oportunidade ele poderia contratar um dj de formatura que o agradaria mais, além de ser mais em conta

em seguida já liguei pro meu sócio e perguntei se teria possibilidade de operação resgaste, porque a noite tinha tudo pra dar merda. por sorte, ele ainda estava por perto

23h e o figura pega um cd e leva pra usar como base pra cheirar pó no meio do mato

há limite

fui atrás do cabra, retomei o cd e dei uma boa porrada em seu rosto, daquelas que sangram. ele revidou com um soco na pança, daqueles que machucam

a música precisava ser trocada em menos de 1 minuto e corri de volta para o posto. meu sócio já tava na área e me perguntou o que estava acontecendo. expliquei por cima e sugeri que picássemos a mula

ele respondeu que precisava muito de sua parte do cachê e perguntou se não poderia ficar em meu lugar e assumir o mico

claro que sim, eu só queria ir embora

sem carro, consegui carona até cotia e de lá foi fácil arrumar busão até pinheiros e depois aquele manjado ceasa noturnão que passava perto de casa. sono dos justos, tive

trago comigo o cd em questão até hoje, assim como mantenho o hábito de fechar contrato verbal com o fio do bigode. embora a vivência seja maior, ainda me engano com os olhares dos outros. nessa semana me fodi de novo. claro que na mão de quem tem 1000 vezes mais dinheiro que eu

cuidado com quem anda. a pandemia não mudou ninguém

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