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garoto de vila

nessa semana fui num restaurante que tava curioso pra conhecer há mais de um ano. comi metade do que gostaria e gastei o dobro do planejado

e estou falando de um logradouro no meio da grande crackolândia, longe dos bairros tidos como mais nobres, onde o custo de operação é obviamente maior

no dia seguinte fiz mercado pra cozinhar em casa. embora economia doméstica não seja assim o meu forte fato é que se gasta muito mais hoje do que antes de ontem nesse tipo de compra

um dos grandes problemas do homem é o de posicionamento, de não saber onde se está e admito que não sei mais exatamente onde é o meu lugar nesse mundo pós pandêmico que nos abate

perdi o mapa da civilização e minha bússola tá quebrada

além dos problemas financeiros as relações pessoais também mudaram um bocado. hoje mal reconheço algumas pessoas por quem até há pouco tinha alta estima

a cidade na qual me identifico é a mesma do escritor joão antônio. periférica, segue a linha do trem desde a estação da luz chegando até osasco, em presidente altino

com quase cinquenta anos me sinto como se corresse de estação em estação, chegando sempre após a partida do trem

as firmas fecharam e casas térreas deram lugar a edifícios assombrosos 

não sei por onde anda a molecada que jogava taco e futebol comigo nas ruas da vila leopoldina, mas é nítido que as novas gerações trocaram a bola por diversões eletrônicas que não são fliperamas. pelo contrário, estão ao alcance e cabem em suas mãos

a inteligência artificial bate na porta dos nossos cérebros, mas não tem vontade de entrar. estamos condenados ao tédio eterno e não sabemos exatamente que mundo deixaremos para enzo e valentina

nessa semana também achei o imóvel ideal para o empreendimento frangueiro que tenho em mente, mas não tenho sequer um níquel no bolso

o que ontem se achou, hoje se perdeu

claro que toda responsabilidade de frustrações contemporâneas é minha. tenho a consciência de que não sou especial e que não devo alimentar expectativas

de maneira que procuro cuidar com alguma decência de um dog e algumas dezenas de plantas. se eles estão bem, eu fico menos mal

e tu? o que faz pra justificar sua existência?

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