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assassinaram o camarão

o ano é 2001 e moro em florianópolis, mais precisamente na avenida osni ortiga, lagoa da conceição. mais de 3 arrobas menos gordo, a balança ainda não alcançava 3 dígitos, o que não quer dizer lá muita coisa. gordo é gordo, independente do peso apontado

o que fui fazer lá? longa história, mas basicamente queria um lugar tranquilo pra estudar filosofia sozinho. como vivia da renda do aluguel de um pequeno prédio que tinha na rua paulo franco, vila hamburguesa, ao lado da saudosa pastelícia, me pareceu bom negócio. morar num lugar lindo e despoluído com renda capitaulista

o imóvel escolhido para moradia ficava de frente pra lagoa e atrás das dunas que desembocavam na praia da joaquina. já no primeiro dia oficial como residente da ilha levei para as tais dunas alguns livros, a folha de são paulo e o diário catarinense. a meta de passar a manhã lendo na areia falhou miseravelmente por conta do implacável vento sul que quase me levou junto com as folha tudo

mas não me deixei abater por tão pouco. até porque antes do diagnóstico de esclerose múltipla eu era o senhor do meu próprio tempo, situação essa que infelizmente nunca mais ocorrerá.

o jornal apontava que o inverno vigente era o mais rígido dos últimos 89 anos e caminhar era quase uma necessidade, o que não era problema pra mim. até hoje é o único exercício que tolero sem me sentir um pateta

um dos programas preferidos era sair cedo da minha residência e caminhar até o rancho de canoa, simpático restaurante na fortaleza da barra da lagoa

lá fazia minhas leituras habituais, tomava cerveja gelada e comia um camarão empanado cujo sabor me faltam adjetivos para descrevê-lo, de tão gostoso

embora o lugar tenha até hoje simpático salão, nem o frio me fazia abrir mão de sentar no deck onde o sossego imperava e peixinhos brincavam perto dos meus pés descalços

o ar desse pedaço em específico da ilha mescla ventos de lagoa, montanha e mar. te parece boa sensação?
multiplique isso por 10 a esse portador de esclerose múltipla que vos escreve

acabou que o inquilino do meu prédio – que já foi vendido há tempos – se arrancou e a fria temporada na lagoa durou menos de um ano. tive que voltar a são paulo um pouco antes do verão pra cuidar dos meus negócios

mas as aprazíveis tardes no rancho de canoa jamais saíram da minha cabeça e nunca compartilhei com ninguém meus planos de aposentadoria naquele pedaço onde também fiz amizade com pescadores locais e donos de outras biroscas

uma vez que o trampo nas mídias sociais desse certo a ponto de poder morar onde quisesse, meu maior desejo secreto era morar ali perto da singela ponte sobre a fortaleza da barra e voltar a respirar o ar que tão bem me faz

acontece que o destino pode ser mais traiçoeiro que a gente espera e por esses dias soube que o comércio em questão recebe agora quase que diariamente maldita MÚSICA AO VIVO no deck, com direito a tudo de ruim que você decerto imaginou agora. é de djavan pra baixo

foi pra cucuia o sonho de uma noite de inverno

envelhecer tem sido um processo de não me reconhecer mais nas ruas e bares por onde passei

mas minha memória não se apagará, pelo menos enquanto insistir em seguir vivão. e é muito louco as viagem que rola dentro da cuca

dependendo do dia pode ter vento na cara, camarão gostoso, cerveja gelada e aquele silêncio bom que traz uma paz danada da porra

fechar os olhos por meia hora e me transportar pra um lugar que não existe mais tem sido um dos passatempos prediletos

felicidade não existe, o que existe na vida são momentos felizes

assim diz com sabedoria odair josé, o bob dylan do cerrado

e tu? o que te faz feliz?

3 Comments

  1. Que texto lindo! Lembrei-me de um lugar que frequentava há alguns anos: um bar podrão à beira de uma estrada vicinal. O lugar era bem simples, rodeado de eucaliptos, fresco, bucólico, com cerveja gelada e batata chips caseira. Infelizmente o dono faleceu e tudo se acabou. Ou talvez permaneça vivo nas memórias de quem um dia foi lá. Seus textos me dão vontade de escrever, sempre.

  2. Seus textos também me dão vontade de escrever, talvez eu tome coragem, talvez não, ou quem sabe seja uma nova meta de começo de ano que provavelmente eu vou esquecer em fevereiro ou março.

    Lembrei de uma Bomboniere na rua da minha vó durante os anos 90, com aquela porção de doces na vitrine de vidro, em cima daquele balcão de madeira, uma balança analógica vermelha, era só entrar e dizer:

    Tio, eu tenho 1 real, o que eu posso comprar?

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