pouco pra baixo aqui de casa, na esquina da pirineus com a praça olavo bilac, coração do centro nervoso de nossa champ’s elisê, tem um quilão no qual nunca entrei
bem ao lado existe um bom café onde meu cachorro é bem vindo e vou de vez em quando, apesar dos adictos locais terem roubado a tigela d’água dele. na verdade tenho a impressão de que já furtaram potes e mais potes, tanto que a casa desistiu da cortesia. e tudo bem, nada que não ajustemos ao nosso novo cotidiano. se apertar a sede canina, só voltar pra casa que, ressalto, é bem perto. regra número 1 da boa convivência é fazer com que sua necessidade não interfira no ecossistema local. não fodamos com o cotidiano de quem nos atende com copos e cálices que anestesiam um tanto a profana dor da existência humana
o mesmo bicho que bebe água aprecia breves rolês para o fim de cometer mijadas aleatórias. em qualquer lugar onde esteja com ele, após cerca de 40 minutos rola uns educados latidos cujo claro objetivo é me lembrar que não estou sozinho. e no cair da noite de ontem, após o consumo de um mate com limão, ao levar o cão pra mijar, me deparei com as gelatinas coloridas da vitrine do quilão da esquina
dispostas em singelos potes de plástico, três cores de ocasião: amarela, verde e vermelha. não importa os sabores, muito menos como elas são feitas. tem coisa que não precisa saber
como, por exemplo, a salsicha e aquele blanquet de peito de peru disposto na bandeja de plástico que, creia-me, não foi concebido na gôndola do supermercado
mas acontece que contemplar a paleta de cores da vitrine da biroska disparou um gatilho filho da puta
lembrei do mosaico de gelatina que mamãe fazia e chamava de delícia de abacaxi, embora não houvesse sequer um cheirinho da dita fruta em questão
mais pra frente, nos dias de feira passados a partir a adolescência até o começo de minha breve mocidade, encarava qualquer coisa parecida com gelatina que visse nas estufas frias dos botequins osasquenses mais ordinários
se hoje chamam a esse tipo de hábito de guilty pleasure, pode me considerar desde já como um pecador, dispenso julgamento
gelatina colorida pra mim tem gosto de infância interrompida
se tem outro troço péba que adoro é qualquer coisa parecida com danete. pena que seja cada vez mais difícil nos posicionar diante da curiosa oferta disposta pelos supermercados
quando tínhamos que escolher apenas entre diet e gostoso a vida era mais fácil e em conta. hoje nos perdemos no meio de produtos sem lactose, sem glúten e sem graça nenhuma. a única certeza é de que gastaremos bom punhado de grana e nunca foi tão difícil achar a porra de um litro de leite integral
sempre que complicam algo simples um rico que não precisa de mais dinheiro enriquece ainda mais
enquanto tentamos nos adequar à nova era supostamente mais saudável a indústria alimentícia sapateia em cima das barriguinhas fitness (tanquinho não era mais simpático?) e nas desarmonizações faciais propostas na bostoxlândia
noite dessas um amigo querido quase foi condenado por postar nas redes antissociais um dogão caseiro com salsicha merda porque a mesma não era biodinâmica etc. o novo tribunal internético é autoritário, não tem o menor senso de humor e deseja uma vida um tanto sem sal para seus seguimores
será que um dia voltaremos a nos divertir?
eu não sei o que você vai fazer hoje, mas eu vou me esparramar no chão imundo do quilão da praça e encherei a pança de gelatina de tudo o quanto é cor. se bobear encaro até a azul que só existe na minha cabeça. vou de cachorro e tudo. garanto que não será bonito.