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a sagrada rabada

o conceito de sagrado e profano é romântico e literário, na vida real não é assim que funciona

eu nunca tive tempo nem interesse pra crenças e religiões, mas não as ridicularizo mais

portanto se você precisa dessa muleta pra ser feliz, segura na mão de zeus e vai

e se de alguma forma tá bem, é melhor pra todos ao seu redor

embora esteja com menos saúde e sem atividade remunerada, eu gosto mesmo é de trabalhar

um bom texto – como o publicado nesse espaço na semana passada – ou algum brilho nos olhos de quem bebe ou come algo que ajudei a fazer me deixa bem satisfeito e isso é o mais próximo que consigo chegar do sagrado

tem também, é claro, a boa mesa

quando comecei a publicar nas redes sociais sobre gastronomia etílica, em 2007, já tinha boa vivência no ramo e não existia ainda os famigerados termos criação de conteúdo e influenciador digital

não é difícil dizer até que o mundo era um tanto mais contemplativo antes dos aparelhos telefônicos móveis dominarem o planeta

fato é que ainda tenho prazer tanto em alertar o comensal de possíveis roubadas quanto de indicar tudo quanto é tipo de lugar – da comida de rua até o restaurante dito como chique – que valha a pena

um pouco antes da peste conheci genuíno novo bar na barra funda que embora sirva bons cocktails a boa comida me chamou mais a atenção

após ir meia dúzia de vezes divulguei a birosca nas minhas mídias e o gentil cozinheiro que montou o cardápio me agradeceu via mensagem direta naquela rede social de fotografia

não há que. trabalho manêro tem mais que ser divulgado mesmo

mas eis aí que chegou a catástrofe que tirou o chão de todos nós

a família do cozinheiro, que vivia de catering, sentiu o enfraquecimento desse negócio e passou a viver mais de delivery

foi quando conheci sua divertida irmã, que me trouxe uma estupenda rabada com mandioquinha

e não é que o mano cozinha tal como um demônio mesmo?

aliás, tu sabe por que é tão difícil achar uma rabada que valha a pena na cidade de são paulo?

porque a maior parte dos cozinheiros tem preguiça. em vez de fazer um fundo estiloso, selar a carne e deixar o fogo baixo fazer o seu papel preferem meter logo na pressão e foda-se. e assim caminha a mediocridade

panela depressão se usa em casa por economia, pressa ou falta de expertise. jamais num bom restaurante

no caso da rabada, por exemplo, a famigerada panela destrói as fibras da carne e o caldo não se desenvolve de maneira eficaz. e botar tabletão do roti de borracharia da casa é roubar no jogo

o sucesso do delivery foi tanto que onde o modesto espaço do catering se tornou um belo restaurante de bairro

além do cozinheiro e sua irmã, sua esposa cuida com talento e competência das bebidas. tem mais gente trampando e a impressão é que todos pertencem a mesma família, o que na prática não deixa de ser

o cardápio muda toda semana e além do rabo podem pintar no pedaço um ousado polvo a putanesca e também algumas versões de porquinhos empanados, entre outras coisas. não é difícil achar algo que lhe agrade

fui bem no começo, ajudei a divulgar e hoje me tornei freguês

ao me ver no salão, a mãe do cozinheiro, a nonna, perguntou quem era eu e sua filha disse que falo bem do trampo da família há algum tempo já

pois bem. com posse de meu nome completo a nonna MANDOU REZAR UMA MISSA pra mim

mal não há de fazer. ainda mais com tanta gente praticando o oposto. quem sabe uma hora as coisas não se equilibram?

obrigado de coração, nonna ferrari!

e tu? os sinos dobram por você? 

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