Eu sempre quis ir pro Japão, em boa parte motivado pelo conceito de honra que meu pai me ensinou a ter e que na minha cuca se comunica um bocado com a cultura nipônica.
Desde os saudosos anos 90, por tantas vezes essa bola bateu na trave e tive que cancelar viagem atrás de viagem, em 100% das situações por minha própria incompetência em gestão de dinheiro e tempo.
Tempo esse que passou e talvez não me tenha feito tão bem quanto gostaria. Ando com cada vez menos energia pra correr atrás daquele velho pote no fim do arco-íris.
Mas não estou aqui pra chorar pitangas. Ainda bem, até porque é bastante provável que o tal tesouro escondido não exista. Nunca esteve ao alcance, sempre foi ilusão, pó de pirlimpimpim.
Além do mais a velhice precoce que habita em mim faz com que tire vantagem das minhas limitações e administre melhor a parada toda.
Hoje só perco tempo com o que vale a pena.
A avalanche de informação diária que chega no meu celular sobre conhecidos que vão ao Japão me tirou um pouco o foco da cada vez mais distante visita ao continente em questão.
Absolutamente nada de errado com quem quer e sabe se divertir à sua peculiar maneira, com as devidas condições pra isso. Inclusive temos vários interesses em comum, especialmente no que se refere a comida e bebida, embora eu vise lugares menos estrelados.
O que me afasta um tanto é a euforia dessas pessoas tão hiperativas e sorridentes. Eu, que nunca fui muito de festa, tenho dificuldade em dialogar com esse tipo de comportamento.
Manja aquela festa que você sente alívio por não ter recebido convite? É esse o ponto.
Na verdade é um pouco mais que isso. Meu nome é Julio Bernardo, tenho 50 anos e faço parte de uma geração que resolvia tudo no analógico e caiu de paraquedas numa Sodoma digital sem passagem de volta. Toda vez que penso em sair me sinto como uma criança pouco astuta perdida no labirinto espelhado do Playcenter.
Enquanto procuro sem muita esperança a chave pra sair dessa realidade cyberfunk, guardo comigo um golden ticket que quando fecho os olhos me leva a um Japão Imaginário, que tem mais a ver com a contemplação de um balcão de izakaya.
Aí nessa semana vi o novo filme do Wim Wenders, ambientado num Japão mais silencioso, e a forma como ele lida com quietude, luz e honra mexeu comigo de uma maneira que voltei a fazer planos de viagem em outra dimensão.
Porque a simplicidade cotidiana pode ser complexa e ter ao mesmo tempo uma beleza avassaladora.
No filme o diretor lida de maneira magnífica com luz e sombras, como se tivesse revelando uma foto clássica. Quando me perguntam sobre como é ser cronista gastronômico costumo responder que eu apenas bato uma chapa de um momento em determinado lugar e, se eu achar divertido, compartilho a revelação. Talvez seja isso que eu precise fazer no Oriente, a ver.
E você? Pra onde vai quando suas pálpebras se entregam ao inevitável cansaço?